17 de out. de 2015

CRM diz que saúde é caótica no interior e médicos evitam carreira em cidade pequena

A situação de trabalho dos médicos é caótica em cidades do interior. Essa é a constatação do diretor de fiscalização do Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB), João Alberto. Os profissionais não querem trabalhar em municípios pequenos por conta da precariedade em assistência e estrutura, o que faz com que 79% dos médicos se concentrem nas duas maiores cidades do estado. O governo federal vê no programa Mais Médicos uma forma de resolver essa falta de profissionais em
cidades pequenas, mas o CRM não concorda e assim como outros profissionais, defende a criação da Carreira de Estado. Neste domingo (18) é comemorado o Dia do Médico.
O CRM calcula que 6.493 médicos atuam na Paraíba, sendo 3.727 em João Pessoa e 1.407 em Campina Grande. Para cobertura em todas as outras 221 cidades do estado, restam 1.350 profissionais, o que representa 21% do total.
Hércules Firmino, de 30 anos, se formou em Medicina em 2011. Atuando na área de clínica médica desde que se graduou, está no Samu de João Pessoa e no Hospital Flávio Ribeiro Coutinho de Santa Rita, na região metropolitana. Ele disse que já trabalhou nas cidades de Timbaúba (PE), por nove meses, no Hospital Regional, e em São Vicente Férrer (PE), por apenas três meses, em Postos de Saúde da Família (PSFs) da cidade. Nesses locais, Hércules explica que a maior parte dos atendimentos sempre tinha que ser direcionada para Recife (PE).

“Eu era recém-formado, então foi um trabalho mais para pegar experiência. No hospital de Timbaúba, os atendimentos, em sua maioria, eram de baixa complexidade e quando um paciente de quadro grave chegava, nós só tínhamos apenas que estabilizá-lo e encaminhá-lo para Recife, ou seja, os atendimentos mais complexos não eram feitos lá [em Timbaúba]. Meu objetivo era ganhar experiência. Já no PSF, o atendimento era apenas básico. Foi meu primeiro emprego”, disse.

Ele defende a ideia de iniciar a carreira em cidades pequenas para aquisição de experiência, mas lamenta pelas dificuldades encontradas no interior.

“Para o médico que quer fazer mais um atendimento básico e ter experiência, é válido. Mas, as cidades pequenas não têm estrutura para atender os casos mais complexos e comuns, como infarto, acidente vascular cerebral e traumas. Muitas vezes nós precisamos de um exame, mas não há equipamento necessário para realizar. Também não têm medicamentos para casos mais graves. Claro que não são em todas as cidades do interior que são assim, mas essa é a realidade da maioria. Se torna arriscado tanto para o paciente, quanto para o médico o atendimento em um hospital sem estrutura”, argumentou Hércules.

O diretor de fiscalização do CRM-PB João Alberto é formado em Medicina há 40 anos. Natural de João Pessoa, ele disse que nunca atuou em cidades menores, mas como trabalha no setor de fiscalização do CRM, encontra situações caóticas em hospitais e unidades de saúde. “É caótico! A estrutura de muitos hospitais é precária e eles não podem ser totalmente fechados para que a população não sofra mais ainda sem nenhum atendimento. Alguns, mesmo precários, ainda atendem e por isso são mantidos em funcionamento”, revelou.

Apesar dos salários para médicos que trabalham no interior girarem em torno de R$ 10 mil, João Alberto explica que isso não garante qualidade de vida e segurança para o profissional. “Os médicos não recebem benefícios e quando são demitidos, ficam sem nada. É um dinheiro que, muitas vezes, é mal planejado pelas Prefeituras e que não garante segurança financeira para os profissionais”.

Profissionais sugerem Carreira de Estado

João Alberto sugere que seja adotada a Carreira de Estado, na qual o profissional recém-formado começa a exercer a função no interior e, gradativamente, chega até as grandes cidades. Ele explica que esse procedimento seria importante para a humanização e desenvolvimento profissional do médico. Porém, a falta de estrutura não garante que isso seja benéfico.

“O ideal seria que os médicos recém-formados começassem no interior, mas isso precisaria ser bem estudado, organizado para garantir estrutura. Faltam medicamentos, insumos e equipamentos, o que torna o trabalho e o atendimento perigosos, tanto para pacientes, quando para os médicos”, explicou João, compartilhando a opinião semelhante já relatada pelo clínico Hércules Firmino, quando levantada a questão dos perigos existentes em situações como essas.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) defende que a Carreira de Estado contribuiria para sanar alguns problemas crônicos da saúde brasileira, como a precarização do trabalho médico, a deficiência da rede de estabelecimentos de atenção e a falta de políticas de interiorização da medicina.

O estudante de Medicina Filipe Pressuto assina um texto no qual explica o que é a Carreira de Estado e os prós e contras da ideia. Segundo ele, a tentativa de criar uma carreira estatal para médicos é algo buscado há alguns anos. Algumas propostas já foram apresentadas e tramitam há algum tempo. Leia aqui.

Ele relata no texto que são exemplos a PEC 454/2009 e a PEC 34/2011 – ambas são tentativas de criar uma carreira de médico de Estado – e a portaria 2517, de 1° de Novembro de 2012.

Pressuto explica o que preveem os projetos e aponta como ponto negativo da ideia o impacto que a medida teria nos cofres públicos, uma vez que, segundo ele, os governos municipais e estaduais são responsáveis por custear a maioria dos gastos com honorários de médicos.

Programa ‘Mais Médicos’

A Paraíba tem 421 médicos atuando em 121 municípios por meio do ‘Mais Médicos’. De acordo com o Ministério da Saúde, o programa do governo federal criado em 2013 tem como objetivo levar profissionais para unidades básicas de saúde das regiões onde há carência deles, de modo a promover ampliação da assistência prestada na Atenção Básica, capaz de resolver 80% dos problemas de saúde da população sem necessidade de encaminhamento a hospitais.

Na época do lançamento do Programa, o Brasil tinha média de 1,8 médicos por mil habitantes e a Paraíba, 1,17 médicos por mil habitantes. No Brasil, atualmente, o governo federal mantém 18.240 médicos em 4.058 municípios e 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), levando assistência para cerca de 63 milhões de pessoas.

Segundo o Ministério da Saúde, os médicos participantes do Programa recebem bolsa-formação no valor de R$ 10 mil, além de receberem auxílios moradia e alimentação por parte da prefeitura.

O governo federal afirma que a estimativa é garantir ao país 600 mil profissionais e uma proporção de 2,7 médicos por mil habitantes em 2026. Se nenhuma vaga em cursos de Medicina fosse aberta no país, essa proporção seria atingida somente em 2035.

Mesmo com todos esses números, o CRM-PB não acredita que o programa seja uma saída para suprir as deficiências de cobertura médica em cidades de interior e ainda critica os embates políticos que atrapalham a ideia. Como o próprio programa define, os profissionais não são especialistas e trabalham com atenção básica.

“Não somos contra o ‘Mais Médicos’, mas contra pessoas sem qualificação para atendimentos e que estão disponíveis apenas para interesses políticos. Os prefeitos contratam médicos em cidades onde não havia nenhum profissional, só para dizer que ali tem um médico, mas não oferecem condições para que esses profissionais trabalhem da forma como deve ser”, finalizou João Alberto.

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