Após o juiz Adriano Mesquita Dantas, do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba, ter declarado inconstitucional a aplicação da lei de cotas raciais em concursos públicos,
em decisão proferida nessa segunda-feira (18), o Portal Correio
repercutiu essa situação sob as óticas do Direito, dos movimentos negros
e dos próprios concurseiros, que vivem a realidade de lutar pela
conquista de um emprego público.
A Lei de Cotas, de número 12.990, de 9 de junho de 2014, reserva aos
negros 20% das vagas oferecidas nos concursos para provimento de cargos
efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal,
das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das
sociedades de economia mista controladas pela União. A decisão do
magistrado do TRT-PB se deu em um julgamento referente a um concurso do
Banco do Brasil, em processo sobre um candidato que passou na 15ª
posição e se sentiu prejudicado após ter a nomeação preterida pela
convocação de outros 14 classificados, sendo 11 de ampla concorrência e
três cotistas.A Lei de Cotas, de número 12.990, de 9 de junho de 2014, reserva aos
Movimentos negros
Segundo Terlúcia Silva, coordenadora do Bamdelê - Organização das Mulheres Negras da Paraíba, a decisão judicial “só confirma a forma como a sociedade pensa sobre a questão racial. Os negros foram e são discriminados e a Lei de Cotas é fruto de uma luta histórica. Para a população negra isso é muito ruim, porque o que foi decidido pode se transformar em jurisprudência e ser seguido por outros tribunais”. Ela explica que, após o período de escravidão vigente no Brasil, em séculos passados, não houve políticas de inclusão suficientes que corrigissem as distorções geradas.
“Cotas passam pelo entendimento de dívida histórica e pelo reconhecimento de que a população negra está sub-representada. O Juiz desconhece esse histórico, ou até conhece, mas não admite”, disse a coordenadora.
Ciente de que há pessoas de baixa renda que não necessariamente se declaram negras ou pardas ao se inscreverem em um concurso público, Terlúcia reconheceu que essa parcela populacional também fica prejudicada, mas destacou que, mesmo sendo pobre, o branco não sofre o mesmo preconceito que o negro, tendo mais chances de conquistar vagas no mercado de trabalho.
“Os 20% devem ser garantidos. Cotas não aumentam o preconceito. Dizemos que não temos medo que se crie racismo no Brasil porque ele já existe. Sofremos racismo todos os dias”, concluiu Terlúcia, informando ainda que se reunirá com membros do movimento negro para discutir essa nova situação e definir que tipo de atitudes podem ser tomadas para que a manutenção dos direitos seja assegurada.
O que dizem as ciências jurídicas
De acordo com o jurista Olavo Moura, especialista em Direito Constitucional, a lei de cotas, para concursos públicos, não é inconstitucional. “Modernamente se entende que não é, mas deve haver condicionamentos para que não perca a constitucionalidade. Como ocorre ‘desigualação’ entre candidatos, deve haver critérios justificáveis, objetivos e proporcionais que expliquem a utilização dessa política”, contou.
Conforme explicou, o Supremo Tribunal Federal decidiu que geneticamente não existe raça, mas, já que o homem criou a caracterização, a utilização dela é justificada para a correção de desigualdades. O jurista, no entanto, frisou que esse tipo de política pública de ação afirmativa deve ser vigente por determinado período, para que não se torne um privilégio. “De tempos em tempos deve haver uma revisão e não pode ser usado de maneira que prejudique outros setores sociais”.
No caso dos concursos públicos, Olavo cita que eles têm duas funções na sociedade: a típica, que é selecionar os mais capacitados, e a atípica (regulatória), que objetiva colocar pessoas na administração pública para diminuir diferenças sociais.
Com relação a decisões que declaram inconstitucionalidade difusamente de leis, o jurista falou que pode se criar uma “insegurança jurídica”, mas, na classificação dele, só vale para o candidato específico que entrou com o mandado de segurança para proteger o próprio direito à nomeação no concurso.
“O Banco do Brasil certamente deve recorrer da decisão”, concluiu Olavo Moura, que, apesar de já atuar no serviço público, continua prestando concursos e afirma que, diante da Lei de Cotas, nunca se sentiu preterido, já que sempre entra na disputa pela ampla concorrência. “Quando me inscrevo em um concurso e vejo que há um número de vagas destinadas às cotas, penso que isso é algo que pode ajudar a melhorar a sociedade”.
Concurseiros
A produtora de TV Cassiana Ferreira é uma das milhares de pessoas que se preparam para ingressar no serviço público por meio de concurso. Mesmo se autodeclarando negra, ela discorda da utilização de política de cotas para concursos e diz que sempre se candidata pela ampla concorrência.
“Eu concordo com cotas para ingresso em instituições de ensino, como universidades, mas, no caso de concursos, existe um universo diferente”, afirmou, entendendo que a distorção histórica deve ser corrigida no âmbito educacional.
“Para ser aprovado em concurso, não vai depender da sua cor, mas da sua capacidade. Você percebe que a maioria que tem êxito nas seleções não teve necessariamente vida ou rotina favorável. Tinham que trabalhar, não tinham condição financeira boa”, argumentou, declarando ainda que cursinhos preparatórios, feitos por quem tem capacidade de pagar, também não determinam uma aprovação certa. Para ela, passar em um concurso é algo que só deve depender da própria pessoa interessada.
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